JOSÉ PASTORE
Qual pequeno empresário dormirá sossegado após fazer acordos que podem ser questionados pelos sindicatos?
Imaginem uma empresa que precisa faturar hoje para pagar as contas amanhã. Fechada, sem vendas e sem faturamento, ela só pagará suas contas se o empresário tiver uma boa poupança. Esse é o caso das grandes corporações, mas não é o que ocorre com 82% das empresas brasileiras — pequenas e médias — que respondem por uma enormidade de empregos. Pesquisas recentes do Sebrae indicam que essas empresas aguentam, no máximo, 12 dias.
O governo lançou inúmeras medidas para acudir as pequenas empresas brasileiras com crédito, diferimento de pagamentos, isenções de impostos e contribuições etc. No campo trabalhista, abriu para elas duas possibilidades de aliviar suas responsabilidades em relação à folha de pagamentos. A Medida Provisória 936 contempla a redução de jornada e a suspensão do contrato do trabalho.
Reconhecendo o clima de catástrofe criado pela pandemia do coronavírus, empregados e empregadores têm a liberdade para fazer acordos individuais simples e expeditos para salvar os empregos. A velocidade é crucial para enfrentar um vírus ágil e competente.
O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, em liminar, desejava que a redução de jornada e a suspensão de contrato de trabalho tivessem o aval dos sindicatos, pouco se importando com a demora exigida pela CLT. Ontem, reformou sua própria liminar para dizer que os acordos individuais valem, mas que os sindicatos não são arquivistas e que podem provocar as empresas para fazer acordos coletivos diferentes dos individuais.
A insegurança jurídica permaneceu. Qual é o pequeno empresário que vai dormir sossegado depois de fazer dezenas de acordos individuais sabendo que os mesmos podem ser questionados pelos sindicatos? Ou seja, a livre negociação direta entre empregados e empregador constante da MP 936 não teria nada de definitivo.
Lewandowski, com aguçada esgrima, revogou sem revogar. Numa hora de desespero, ele complicou o processo, dando um tiro no peito dos trabalhadores cujos empregos poderiam ser salvos por meio de um acordo individual simples, direto e temporário.
Consta que já foram realizados quase 300 mil acordos individuais à luz da MP 936. Com isso, foram salvos centenas de milhares de empregos. Imaginem a insegurança de quem firmou esses acordos se prevalecer a nova versão de Lewandowski!
As variações interpretativas do nobre ministro, com todo o respeito, farão as pequenas e médias empresas darem um passo atrás. Inseguras e não tendo fôlego para aguentar esse clima de insegurança, muitas vão partir para demissões em grande escala, não raro, sem pagar as verbas rescisórias por absoluta falta de recursos decorrente da paralisia econômica ora em andamento e sem data para terminar.
Se vingar, a nova “tese” do ministro Lewandowski provocará um flagelo. O próprio governo estima que serão acrescentados 12 milhões de desempregados em cima dos 12 milhões atuais. São quase 25% da força de trabalho! Um drama que só ocorreu nos Estados Unidos na crise de 1929.
Lembro que o empregado despedido hoje não encontrará trabalho (nem informal) por muitos meses. E, para obter as verbas rescisórias, terá de esperar um ano ou mais na Justiça do Trabalho.
É um drama de proporções gigantescas. Ao desconsiderar o estado de guerra criado pela pandemia e ignorar a situação quase falimentar da maioria das pequenas e médias empresas, o ministro Lewandowski deixou-as sem escolha. Na ausência de receita, sem capital de giro e sem perspectivas de breve recuperação e no meio de tanta insegurança, elas serão forçadas a demitir.
Estou certo de que os demais ministros do STF entenderão a destruição econômica e social que um sistema confuso e complexo como o proposto por Lewandowski provocará em todo o Brasil. O governo fez o que pôde. Criou ferramentas simples, ágeis, expeditas e com prazo certo para aliviar o desemprego. Não há por que não usá-las.
José Pastore é professor da Universidade de São Paulo